A empatia de Daniel Blake



Andamos meio sumidos, não é mesmo? Estamos triste com isso, mas também trabalhando para buscar a melhor alternativa para fazer o Claquete continuar a ter pulso. E nada melhor que ressurgir durante o melhor evento audiovisual em linha reta da cidade do Recife, o Janela Internacional de Cinema, que chega a sua nona edição.

A noite de abertura, na sexta (28), foi APENAX com o vencedor da Palma de Ouro de 2016, Eu, Daniel Blake. Antes de começar a falar sobre essa obra prima de Ken Loach, queria fazer algumas considerações sobre a sessão anterior.

Nela, vimos “Roteiro Sentimental do Primeiro Cineasta”, imagens de Walfredo Rodriguez organizadas por Lucio Vilarz. Compilação maravilhosa, diga-se de passagem, que documenta o recife e o seu carnaval da década de 1920. As imagens fazem com que o espectador crie uma relação de resgate do afeto pela cidade, que anda bem desgastado. Foi “intensissimo” (quem assistiu entenderá as aspas). 

Animal Politico


Depois vimos Animal Político, primeiro longa de Tião, que tem em seu currículo grandes curtas como Sem Coração (2014). Protagonizado por uma vaca, sim, isso mesmo uma vaca, o filme é uma grande viagem com algumas sacadas inteligentes no roteiro e também situações nonsense. Vale ressaltar aqui as referências a 2001: Uma Odisseia no Espaço e, porque não, Star Wars. 

O delírio é a redenção dos aflitos


Mas a apoteose da noite vai pra Eu, Daniel Blake, em sessão acompanhada pelo curta O delírio é a redenção dos aflitos, de Fellipe Fernandes, protagonizado por Nash Laila, uma grande atriz do cinema pernambucano e que continua fazendo um ótimo trabalho nesse curta, o primeiro do diretor aliás. Eu vou falar desse filme um pouco mais abaixo, porque existe uma relação muito próxima entre a protagonista e uma personagem do longa de Loach.

Na contramão de um sistema burocrático e apático, está Daniel Blake. Um carpinteiro de 59 anos que tem um ataque cardíaco durante o trabalho e é proibido pela médica de voltar a trabalhar. Contudo, nada é resolvido facilmente nesse mundo (ou melhor, nada é resolvido facilmente nesse mundo para determinada classe social). Dan tem seu auxílio financeiro recusado e entra numa batalha para ter uma revisão e finalmente poder ter justiça.

No meio do caminho, ele conhece Katie, mãe solteira de duas crianças que também enfrenta dificuldades para conseguir auxílio do governo. Eles vivem em um pequeno apartamento, sem a conta de luz paga e comida suficiente apenas para os filhos. Daniel, ao contrário do sistema governamental, tem empatia pela família e passa a ajuda-los, tornando-se grande amigo deles. 

Katie e Daniel Blake

Empatia. Essa foi a palavra a que mais me recorria durante a sessão. Enquanto existe toda a injustiça, Daniel mostra sua humanidade com aquela família, além de ser um personagem com um carisma intenso. O ponto forte do filme com certeza é a cena na qual Katie está pegando comida para completar a cesta básica e ela, morta de fome, abre um enlatado e começa a matar seu sofrimento. Loach traz a cena crua e impactante ao espectador, fazendo com que nós também tenhamos empatia pela personagem.

E é esta mesma Katie que nos faz lembrar a personagem de Nash Laila em O delírio é a redenção dos aflitos. Duas personagens, duas mães em seus limites extremos aguentando sozinha a pressão da falta de dinheiro e fazer o melhor que pode para os filhos. Duas escolhas certeiras da curadoria do festival.

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