*Por Felipe de Brito Cabral
A saída do emblemático guitarrista John Frusciante em 2009, gerou, naturalmente, o velho debate - entre puristas e fãs de ocasião - sobre o futuro do som da Red Hot Chili Peppers. E a primeira resposta veio dois anos depois, com o álbum I'm With You e sua mais enfática mudança estética em direção ao rock alternativo, chancelado por um pupilo de Frusciante, chamado Josh Klinghoffer.
Longe de ter sido um fracasso de vendas, esse décimo disco da carreira dos Peps foi entendido por boa parte da crítica e dos fãs como o resultado da perda - e não do ganho - de um guitarrista com novo fôlego criativo. Antes a própria banda já declarava que suas composições passariam a seguir o esteio de Josh (nenhuma supresa) e dos improvisos menos intuitivos no baixo por Flea, fruto do aprendizado em teoria musical na Universidade do Sul da Califórnia, onde estudou piano.
Entre exageros como o do editor do site californiano Artistdirect, Rick Florino, que classificou o álbum como o melhor da história da banda (!), e uma quase deserção de fãs mais radicais, a verdade é que I'm With You foi apenas uma fissura no rompimento com a "era Californication", apesar de notável.
A quebra irreversível viria cinco anos depois. The Getaway, lançado em junho de 2016, sob produção de Danger Mouse (após 20 anos de Rick Rubin) traz a afirmação cabal da RHCP em seu novo direcionamento, com o famigerado Josh - tão atacado por não emular Frusciante (e deveria?) - mostrando a que veio. O guitarrista soa "claro", técnico e versátil, e muitos menos o-munganguento-dos-pedais.
Em conjunto, as 13 faixas do álbum representam uma viagem a novas paragens, com vagas lembranças de um passado nem tão distante. Convenhamos, não seria RHCP se sumissem as células rítmicas a la hip-hop de Anthony Kiedis, os slaps de Flea e as letras de significado obscuro, mas em "The Getaway" isso cedeu maior espaço a explorações de novos gêneros, timbres e dinâmica na seção instrumental. Nesse bolo, a bateria de Chad Smith nunca soou tão discreta.
De começo, nada de porradas radiofônicas como nos discos antecessores. Apenas a serenidade de faixas como a título e "Dark Necessities". Nesta segunda, é interessante atentarmos para a desenvoltura de Flea em seu novo instrumento alternativo, o piano. Logo depois, as tais vagas lembranças são aguçadas com a levada funk minimalista de "We Turn Red". Não fosse esse apêndice, nada remeteria tão evidentemente à "era Californication" - ou antes disso.
É a partir da belíssima "The Longest Wave" que começa de fato o momento-klinghoffer; nesta faixa com belíssimos arpejos marcando o início e o fim da canção mais romântica do álbum. Após "Goodbye Angel" - que relembra o experimentalismo da parte "Mars" do Stadium Arcadium - marca-se o desvio pop mais siginificativo do disco, com a guitarra de acento soul em "Sick Love" e a batida disco com direito a handclapping de "Go Robot" (com direito a um frenesi eletrônico no melhor estilo dos britânicos da Hot Chip).
A sequência "Feasting on the Flowers"/"Detroit"/This Ticonderoga" vem quebrar o clima chill out predominante, com destaque para a inesperadíssima experimentação R&B do piano de Flea em meio aos riffs punk de "This Ticonderoga". E o piano vai continuar falando nas faixas experimentais "Encore", "The Hunter" e "Dream of a Samurai" - de acentos progressivos e quebras de compasso e uma linda harmonia de vozes. Encerramento grandioso para o álbum que consolida, finalmente, o novo vigor da Red Hot Chili Peppers.
The Getaway é para momentos reflexivos. Para os fãs mais nostálgicos, um ótimo disco para relembrar a vibe etérea predominante no By The Way (2002), por exemplo. Para os menos, a certeza de que os Peps não tem medo de mudar.
*Felipe é jornalista e músico
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