*Por Caio Castro Mello
No dia 29 de maio, o elenco da série original netflix Sense8 esteve na parada gay de São Paulo. Em cima de um trio elétrico, protagonizaram cenas ovacionadas em gritos e compartilhamentos no Facebook. Os beijos entre os/as integrantes, strip-teases e outros momentos de alta excitação faziam parte da gravação de um dos episódios da segunda temporada da série. Um golpe de mestre: levar a produção para onde o público está. Além de fazerem parte das filmagens, como quem espia os bastidores de um set, o marketing no país ficou por conta dos próprios consumidores apaixonados pelo produto.
Sense8 é nada mais do que uma série marqueteira. Enquanto deixa a desejar em roteiro, texto e qualidade cênica do elenco, explora, de forma certeira, toda a ansiedade da modernidade líquida (aquela do Bauman), ou simplesmente, da nova geração Z. Dentre as várias características da geração Z estão a opção pela não delimitação de suas identidades sexuais e de gênero, bem como um maior engajamento político na defesa das diversidades. De acordo com dados da agência J. Walter Thompson, publicados pela Revista Veja em fevereiro, 76% dos jovens brasileiros não dão importância à orientação sexual dos outros e 82% concordam que as pessoas devem explorar mais a própria sexualidade.
Um potencial nicho: o Pink Money
Passados os anos 80 e a massiva criminalização da comunidade gay causada pelo surto de AIDS que tomou conta do Brasil, a década que se seguiu mudou radicalmente as representações midiáticas e, consequentemente, as relações desse público com o mercado. A partir dos anos 90, pesquisas passaram a constatar um nicho pouco atendido pelas campanhas publicitárias e com grande poder aquisitivo: o Pink Money.
Pink Money, termo utilizado para se referir ao potencial econômico da comunidade gay, na verdade, trata-se de um conceito ainda mais específico: os consumidores em questão seriam homens, homossexuais, brancos, cisgênero e pertencentes às classes A e B. A “descoberta” desse público em potencial fez eclodir uma série de planejamentos de mercado voltados à especialização dos produtos, consequência de resultados de pesquisas que apontavam para um grupo majoritariamente solteiro, sem filhos, de alta escolaridade e com gasto primário em satisfação própria (o que incluiria: turismo, lazer e cultura).
Com o recente crescimento da classe C no Brasil, o potencial de compra de produtos sofreu impactos em diversos segmentos, e, também, no Pink Market. Frente a um mercado declaradamente tradicional, falar em diversidade sexual vai além dos muros das individualidades e comunica autenticidade, coragem, pioneirismo e audácia. Características essas, frequentemente alinhadas ao que se considera ser o comportamento do público jovem.
Recentemente, campanhas publicitárias tem causado polêmica ao incluir quaisquer aspectos de diversidade sexual ou de gênero em suas produções. Um exemplo foi a do Boticário (nos dias dos namorados em 2015) ou, pra ser mais atual, a campanha Misture, Ouse e Divirta-se da C&A . As estratégias de boicote organizadas por fundamentalistas, no entanto, parecem não amedrontar as marcas. O sucesso de séries como Orange is the new black e Sense 8 está bem localizado nesse movimento.
A geração Z: o público que consome Direitos Humanos
A fotografia de encher os olhos em Sense8 chega, em certos momentos, a construir um território de exposição de minorias. Há momentos que um clamor urge na tela “- olha, temos um personagem negro! Veja como somos inclusivos”, chego a ouvir. “- Você já viu nossa personagem transexual? Como somos ousados!”. Na busca pela contemplação de uma diversidade que alimente o desejo da geração Z por representatividade, a série acaba por construir diversos estereótipos exotificando as identidades. O olhar que se faz a essas minorias, ali exibidas como um manequim de vitrine, constrói uma narrativa de um outro distante, objetificado em sua única identidade que importa: a polêmica (abjeta, pra citar Butler). É o africano negro e pobre, é a transexual lésbica (que só é isso, nada mais), é o gay (que só é gay). A indiana, a típica europeia, etc. As identidades vêm à tona quase como um grito por estampar um caráter de tolerância e inclusão da diversidade. O público responde.
O fato é que uma orgia sem contexto e um elenco dentro do padrão de beleza midiatizado (hegemonicamente aceito) expondo seus corpos em cenas bem compostas visualmente parece, nesse momento, soar audacioso. Enquanto o fato é que negros, gays, trans e lésbicas protagonistas não vivenciam outras identidades em boa parte das produções audiovisuais pop da atualidade. Sense8 surge com a proposta de oferecer uma história que contemple as diversidades, mas faz de forma essencialmente marqueteira – não que isso seja inovador – visando um público carente de cenas ousadas que fujam às normatividades e supram os mais básicos dos interesses jovens: ação, sexo e romance.
*Caio Castro Mello é jornalista e pesquisador em Comunicação e Cibercultura pela Universidade Federal de Pernambuco.
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