Chico - Artista brasileiro: Música, Memória e Escrita de Chico Buarque

Chico, Tom e Vinicius, nos fundos de uma churrascaria no Rio de Janeiro (1979)


A foto de Evandro Teixeira é narrada por Chico mais ou menos assim: "O Evandro disse pra gente ficar bem a vontade e a gente ficou. Olha, o Vinícius tava quase dormindo".

É nesse clima de relatos, imagens, vídeos de arquivo, belíssimos números musicais e descontração, que acompanhamos o documentário de Miguel Faria Jr: Chico - Artista brasileiro. Além de amigo pessoal do protagonista desta cinebiografia, Miguel tem no currículo outro bem sucedido documentário sobre um grande músico brasileiro, o aclamado Vinicius (2005), sobre a vida e obra do poeta Vinicius de Moraes.

É interessante como a música de Chico Buarque atravessou gerações e classes sociais distintas. Lembro de passar a infância observando meu pai ouvir, e me contar curiosidades de músicas como Geni e o Zepelim, que eu adorava cantar o refrão, assim como A banda. Minha percepção em relação à sonoridade da voz de Chico e ao entendimento de suas letras, mudou bastante, claro! Passei a adolescência bradando e tomando pra mim canções como Folhetim, Essa moça tá diferente, Ela faz cinema e ainda encaro Olhos nos Olhos como hino de submissão/superação. Hoje, eu não sei mais quais prefiro. Se sucessos como Cotidiano, músicas de protesto como Cálice ou Mambembe, em um dueto com a maravilhosa Nara Leão.

O que quero dizer é que, assim como no filme, me peguei em volta de memórias. Me emocionei com o depoimento da Maria Bethânia, sobre esse fenomenal Eu lírico feminino do Chico. E vejamos, nas letras, Chico pode ser mulher, travesti, malandro, sambista, romântico, homossexual... Ele encarna e escancara tal qual um ator, embora ele mesmo se defina como um canastrão, nas vezes que esteve em cena. Na música, não resta dúvidas de que ele convence.

Também pode ser jogador de futebol ao lado de Bob Marley
Em 71 anos de vida, o cantor, compositor e escritor, lança um olhar democrático, experiente e sereno acerca de questões políticas, passando pelos conturbado período da ditadura militar e da censura que sua obra sofreu. É curioso observar que o Chico de hoje não é mais tão engajado politicamente, mas se encontra mais maduro e lúcido para a análise. A maturidade trouxe uma visão menos sonhadora/ revolucionária e mais realista.

É o que acontece também quando relata sobre o seu relacionamento com a atriz Marieta Severo, com quem foi casado por 30 anos. Chico fala com carinho sobre o companheirismo que a união representou, mas também desmistifica a solidão, demonstrando fascínio pelo atual momento, pela maneira como trabalha e pelos relacionamentos posteriores. A timidez é outro ponto desmistificado:“Não sou tímido. Quando pequeno, meus pais me chamavam de Show Boy”. Além de ser discreto, ele explica que a fama se deve a insegurança que sentia ao subir nos palcos, devido ao tempo que demorava para entrar em turnês. Um nervosismo que se um dia deixasse de sentir, não teria mais graça.


“Tenho 7 netos... Você vai aprendendo com essas novas gerações”



Na dinâmica de uma montagem sedutora, tal qual o protagonista da obra, temos momentos de pura contemplação dos números musicais realizados no palco da Cidade das Artes, no Rio de Janeiro, com arranjos e direção musical do violonista Luiz Claudio Ramos, e interpretações de canções mais "lado b" de Chico, nas vozes de Ney Matogrosso, Milton Nascimento, Péricles, da portuguesa Carminho, Laila Garin, que viveu a cantora Elis Regina nos palcos, Adriana Calcanhotto em um baita dueto com Martnália, na música "biscate", entre outros. Miguel Faria Jr. decidiu não ser óbvio nem na escolha do repertório, com músicas menos conhecidas do grande público mas tão significativas quanto os grandes sucessos de Chico.

Turma massa!
O filme aborda também o viés literário de Chico, que segundo o próprio, é até mais forte que o da música. Isso é mesclado com sua relação familiar com o pai - o historiador, jornalista e crítico literário Sérgio Buarque de Holanda e o mistério em torno do seu irmão alemão, filho que Sérgio teve fora do casamento, na década de 30, e fato que Chico soube tendo uma conversa com o também amigo de seu pai, Manuel Bandeira. A origem deste irmão e a importância do pai, deram origem ao seu último romance, O irmão alemão. Trechos selecionados do livro são narrados ao longo do filme, na voz de Marília Pêra.


Como disse Vinicius, Chico é uma das poucas montanhas na imensa planície que é a música brasileira. No fim, a gente sente que aguentaria mais duas horas ali, absorvendo aquele mar de olhos azuis, tão intensos e profundos tal qual a sua história.




Comentários

Postar um comentário