50 Tons de mais do mesmo e uma pitada de sacanagem



A trilogia 50 Tons foi responsável por trazer de volta o mercado de livros eróticos, hoje você pode entrar em qualquer livraria e encontrar seções dedicadas inteiramente a esse gênero - não sei se a qualidade deles chega aos pés de Lolita (Vladimir Nabokov), mas para quem é curioso ou ocioso, vale a pena experimentar.

A primeira coisa que você precisa saber sobre 50 Tons de Cinza (E.L. James) é que ele é, na verdade, uma fanfiction de Crepúsculo (Stephenie Meyer). E fanficions, para quem não sabe, é o universo de um livro que já existe reescrito por um fã. Então, para simplificar, os protagonistas de 50 Tons de Cinza são Bella e Edward. Sim, eles são. A forma como Anastasia descreve como se sente perto de Christian Grey é a forma como Bella enrubescia e "esquecia de respirar" quando estava perto de Edward.

A história do livro fala da jovem Anastasia Steele, uma estudante de Letras, que entrevista o magnata Christian Grey e se descobre hipnotizada por ele e seu jeito autoritário. O que Anastasia ainda não sabe é que Christian é autoritário além do que ela pode imaginar, ele é um Dominador praticante de BDSM (Bondage, Disciplina, Submissão, Sadismo e Masoquismo), e Ana é virgem, e possui ideais românticos típicos de filmes de princesa da Disney. 

A narrativa é extremamente confusa, pois a proposta do livro é atingir o mercado erótico adulto, mas a escrita é extremamente infantil. O relacionamento de Anastasia e Christian, fora do Quarto Vermelho, é um romance longe do rótulo "moderno" com o qual a trilogia 50 Tons se vende; o romance deles é de portão de casa: conservador e abusivo. 

Um dos grandes atrativos da obra é que ela foi escrita por uma mulher e para o público feminino, vende-se a ilusão de que o livro 50 Tons possui tudo que uma mulher deseja. Porém o livro volta ao tradicional, mulher submissa e homem provedor.


Reprodução/Leticce

As cenas de sexo, que deveriam ser o destaque do livro, não são mais apimentadas do que podemos ver na novela das nove, o frisson se deve apenas pelo uso dos brinquedos sexuais, que esquentam o capítulo por uma página, mas na próxima já volta para a narrativa morna e sem graça de E.L. James.

Considero que o que torna cenas de sexo tão dentro do esperado é que o livro, em teoria, trata da descoberta da sexualidade pela Anastasia. Mas todas as cenas de sexo giram em torno da penetração, como se esse fosse a única maneira para a mulher obter prazer, ou seja, que a mulher só é um ser sexual quando está com um homem. E isso é o que vemos em 95% dos livros, filmes e séries por aí, então todo o tom "inovador" de 50 Tons de Cinza vai por água abaixo.

Um ponto que considero discutível no livro, e em vários do gênero, é a necessidade de justificar o BDSM, como se fosse algo imoral. É comum ver práticas sexuais sádicas sendo explicadas como reflexo de uma infância difícil, de abuso sexual ou algo pior. A literatura erótica deveria contribuir para tirar o BDSM desse espectro de imoralidade, e não empurrá-lo para o escuro ainda mais, sendo aceitável apenas quando pode ser justificado.

50 Tons de Cinza acaba sendo mais do que é visto nos romances por aí, porém com uma escrita rasa e algumas cenas de sexo para chamar a atenção do público. Quem for ao cinema conferir a adaptação deve manter suas expectativas bem baixas, pois pelo livro, serão longas duas horas acompanhadas pelos novos Bella e Edward em tons de cinza, sacanagem e monotonia. 

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