A novela “Liberdade, Liberdade” encerra sua exibição na faixa das 23h da Globo como mais uma produção de requinte da emissora para o horário. No elenco, nomes de peso como Maitê Proença, Lília Cabral, Andréia Horta, Mateus Solano, Marcos Ricca e Zezé Polessa, somados ao texto de Mário Teixeira e direção de Vinícius Coimbra, deram à trama agilidade, beleza e uma passagem de volta ao Brasil colonial. O enredo, baseado no argumento de Márcia Prates e livremente inspirado no livro “Joaquina, filha do Tiradentes”, iniciou-se a partir do enforcamento de Tiradentes (Thiago Lacerda), no período da Inconfidência Mineira, e se desenvolveu com a salvação de sua filha, Joaquina (Mel Maia), também condenada a morte, por Dom Raposo Viegas (Dalton Vigh), que a cria como filha e lhe dá o nome de Rosa.
Joaquina, agora Rosa Raposo (Andréia Horta), parte para Portugal e fica com sua nova família até voltarem ao Brasil em 1808, com a fuga da família real para a colônia diante do avanço das tropas de Napoleão na Europa. Já em sua terra natal, a protagonista se choca com a pobreza e a violência de Vila Rica (atualmente Ouro Preto/MG), sendo recebida pelo grupo de salteadores do Mão de Luva (Marco Ricca), um bandoleiro que realmente existiu na época e foi incorporado à trama.
O aspecto sujo das ruas e até mesmo dos habitantes de Vila Rica foi algo que chamou a atenção desde o início da novela. A direção de arte optou por mostrar de maneira crua o dia-a-dia da vila, com lama e esgoto a céu aberto, assim como muita poeira, rostos cheios de suor, habitantes com péssimas condições de vida, vestindo trapos e sempre comendo com as mãos. Até mesmo o príncipe Dom João VI, quando aparecia, estava suado e comendo oleosas coxas de galinha.
Entre os nobres de Vila Rica, além da família Raposo, a trama envolveu a família Farto, cuja Branca Farto (Nathalia Dill) dedicou suas forças para tentar destruir a vida de Rosa, por ciúmes do seu noivo Xavier Almeida (Bruno Ferrari). Já Rosa foi levada pela conversa de Rubião (Mateus Solano), o Intendente de Vila Rica, que havia ganhado o cargo por entregar o paradeiro de Tiradentes à Coroa. Ele também foi o responsável pelo assassinato da mãe biológica de Joaquina (Letícia Sabatella), assim como no avançar da trama também matou covardemente o seu pai adotivo, Dom Raposo.
Todos esses acontecimentos foram explorados de forma ágil, de modo que o enredo se tornou cada vez mais envolvente com a passagem dos capítulos. Desde que iniciou as produções no horário das 23h, a Globo pôs no ar novelas mais curtas do que o habitual, numa média de 70 capítulos, enquanto uma novela das 18h pode chegar até 190. Isso permite que o autor amarre a história com mais propriedade, uma vez que não será preciso prolongar conflitos e gerar o que é conhecido como as “barrigas” das novelas (quando a história não avança em quase nada durante muitos episódios). Em narrativas seriadas como as novelas, os ganchos de um capítulo para o outro são muito importantes para prender o público.
É possível que enredos históricos sejam difíceis de caírem no gosto popular por exigirem que o espectador possua um conhecimento prévio sobre o contexto em que a história se insere. Entretanto, “Liberdade, Liberdade” é uma ficção que apenas utilizou-se de fatos históricos para construir uma trama envolvente. A novela, apesar de ser de época, tratou de temas ainda muito presentes na atualidade, como o machismo, a homofobia, o racismo, preconceito religioso e aborto.
Muitos assuntos polêmicos foram levantados no desenvolver da história. A protagonista, Joaquina, por vezes aparentava ser a mais progressista das mulheres do século XIX, sendo apontada por alguns historiadores como inverossímil. Apesar de todo o conservadorismo da época, Joaquina defendeu direitos humanos, fez amizade com as prostitutas de um bordel, aceitou a homossexualidade do seu irmão, se juntou ao grupo de rebeldes que lutavam pela independência, pegou em armas, roubou o ouro dos impostos, deu alforria a todos os escravos de sua casa, enfim, Joaquina foi uma heroína. Mesmo alguém influenciado pelos ideais iluministas não estaria tanto a frente do tempo. Andreia Horta trabalhou tanto pela personagem que passou mal e ficou afastada das gravações por uma semana após ser diagnosticada com fadiga.
A cena que mais repercutiu nas redes sociais foi a da primeira sequência de sexo gay na televisão aberta brasileira. “Liberdade, Liberdade” foi pioneira em quebrar o tabu da relação sexual entre dois homens e conseguiu mostrar de maneira delicada o amor proibido entre André Raposo (Caio Blat) e o Coronel Tolentino (Ricardo Pereira) em tempos ainda mais difíceis para os homossexuais. Durante a exibição do capítulo em que a cena foi ao ar, a hashtag LiberdadeLiberdade entrou para os Trending Topics mundiais no Twitter, ultrapassando até mesmo o maior concorrente das terças-feiras, Masterchef Brasil. Apesar de toda a beleza da relação, André Raposo foi enforcado por sodomia no penúltimo capítulo.
Em sua última semana, “Liberdade, Liberdade” alcançou pontos de audiência não vistos desde a exibição de Gabriela, em 2012. Na segunda-feira (1º), o capítulo em que Rubião descobriu que Rosa era a filha de Tiradentes marcou 28 pontos na Grande São Paulo, enquanto a sua antecessora “Verdades Secretas” teve seu auge em 27 pontos e Gabriela 30 pontos.
Merecem destaque as interpretações de Nathalia Dill e Mateus Solano, os respectivos pares dos mocinhos. A personagem Branca Farto era muito perversa, ao mesmo tempo em que agia de maneira cômica e tinha um sotaque mineiro divertido, muito bem incorporado pela atriz. Já Rubião era diabólico, não só bastou matar os pais verdadeiros e o adotivo de Joaquina, dissimular sua culpa e conseguir se casar com ela, além de matar seu irmão na forca. O vilão chegou a mandar matar a própria mãe, a personagem de Lília Cabral, Virgínia. Zezé Polessa, que interpretou a “bruxa” Ascensão, foi de tudo um pouco. Sua personagem lia mãos, fazia partos e abortos, fez uma transfusão de sangue, entendia das mais variadas ervas, fez cirurgias, teve visões, se salvou de um enforcamento, entre outras peripécias.
A novela teve seus acertos e seus erros. Embora toda a qualidade técnica e boas atuações exibidas, a busca por velocidade na narrativa esbarrou no tempo curto dos capítulos e algumas vezes os cortes deixavam o público confuso. Personagens foram e voltaram de Vila Rica para o Rio de Janeiro em apenas um capítulo, enquanto outros que fizeram o mesmo trajeto demoraram muito mais, por exemplo. Entretanto, na maior parte das vezes, a agilidade em que os fatos eram apresentados instigava quem estava diante da tevê e tornava a história mais emocionante. Outro ponto fraco, mas não por conta da produção e sim por causa da emissora, foi a confusão dos horários em que os capítulos iam ao ar.
A novela das 23h já não é exibida nas quartas-feiras e nem aos sábados, o que a faz se aproximar dos formatos de minissérie que a Globo exibiu. Mas ir ao ar nas segundas logo depois da novela das 21h, e nas terças quase uma hora depois, enquanto nas quartas não era exibida e nas quintas e nas sextas também tinham diferentes momentos para ir ao ar , confundiam o telespectador que gosta de acompanhar o capítulo no momento em que ele é inédito. Isso também prejudica a interação nas redes sociais, principalmente no Twitter, que tem uma boa quantidade de perfis que assistem televisão ao mesmo tempo em que estão on-line. Essa prática poderia ser mais estimulada pela emissora, aperfeiçoando suas estratégias de Tv Social, como muitos canais americanos já fazem.
Por fim, pode-se dizer que apesar das falhas, “Liberdade, Liberdade” inovou ao resgatar um período histórico brasileiro de maneira crítica, aproveitando os aspectos ficcionais para incorporar um discurso libertário. A escolha de seu nome não foi por acaso, visto que muitos dos personagens se envolveram em conflitos apenas por não terem liberdade de ser quem eram. Entrou para a história ao mostrar uma relação íntima entre dois homens mesmo com setores conservadores da sociedade estarem cada vez mais inflamados. Irá sair do ar como mais um biscoito fino exibido pela Globo no horário.
Henrique é estudante de Rádio, TV e Internet e desenvolve pesquisa sobre Tv Social
Joaquina, agora Rosa Raposo (Andréia Horta), parte para Portugal e fica com sua nova família até voltarem ao Brasil em 1808, com a fuga da família real para a colônia diante do avanço das tropas de Napoleão na Europa. Já em sua terra natal, a protagonista se choca com a pobreza e a violência de Vila Rica (atualmente Ouro Preto/MG), sendo recebida pelo grupo de salteadores do Mão de Luva (Marco Ricca), um bandoleiro que realmente existiu na época e foi incorporado à trama.
O aspecto sujo das ruas e até mesmo dos habitantes de Vila Rica foi algo que chamou a atenção desde o início da novela. A direção de arte optou por mostrar de maneira crua o dia-a-dia da vila, com lama e esgoto a céu aberto, assim como muita poeira, rostos cheios de suor, habitantes com péssimas condições de vida, vestindo trapos e sempre comendo com as mãos. Até mesmo o príncipe Dom João VI, quando aparecia, estava suado e comendo oleosas coxas de galinha.
Entre os nobres de Vila Rica, além da família Raposo, a trama envolveu a família Farto, cuja Branca Farto (Nathalia Dill) dedicou suas forças para tentar destruir a vida de Rosa, por ciúmes do seu noivo Xavier Almeida (Bruno Ferrari). Já Rosa foi levada pela conversa de Rubião (Mateus Solano), o Intendente de Vila Rica, que havia ganhado o cargo por entregar o paradeiro de Tiradentes à Coroa. Ele também foi o responsável pelo assassinato da mãe biológica de Joaquina (Letícia Sabatella), assim como no avançar da trama também matou covardemente o seu pai adotivo, Dom Raposo.
Todos esses acontecimentos foram explorados de forma ágil, de modo que o enredo se tornou cada vez mais envolvente com a passagem dos capítulos. Desde que iniciou as produções no horário das 23h, a Globo pôs no ar novelas mais curtas do que o habitual, numa média de 70 capítulos, enquanto uma novela das 18h pode chegar até 190. Isso permite que o autor amarre a história com mais propriedade, uma vez que não será preciso prolongar conflitos e gerar o que é conhecido como as “barrigas” das novelas (quando a história não avança em quase nada durante muitos episódios). Em narrativas seriadas como as novelas, os ganchos de um capítulo para o outro são muito importantes para prender o público.
É possível que enredos históricos sejam difíceis de caírem no gosto popular por exigirem que o espectador possua um conhecimento prévio sobre o contexto em que a história se insere. Entretanto, “Liberdade, Liberdade” é uma ficção que apenas utilizou-se de fatos históricos para construir uma trama envolvente. A novela, apesar de ser de época, tratou de temas ainda muito presentes na atualidade, como o machismo, a homofobia, o racismo, preconceito religioso e aborto.
Muitos assuntos polêmicos foram levantados no desenvolver da história. A protagonista, Joaquina, por vezes aparentava ser a mais progressista das mulheres do século XIX, sendo apontada por alguns historiadores como inverossímil. Apesar de todo o conservadorismo da época, Joaquina defendeu direitos humanos, fez amizade com as prostitutas de um bordel, aceitou a homossexualidade do seu irmão, se juntou ao grupo de rebeldes que lutavam pela independência, pegou em armas, roubou o ouro dos impostos, deu alforria a todos os escravos de sua casa, enfim, Joaquina foi uma heroína. Mesmo alguém influenciado pelos ideais iluministas não estaria tanto a frente do tempo. Andreia Horta trabalhou tanto pela personagem que passou mal e ficou afastada das gravações por uma semana após ser diagnosticada com fadiga.
A cena que mais repercutiu nas redes sociais foi a da primeira sequência de sexo gay na televisão aberta brasileira. “Liberdade, Liberdade” foi pioneira em quebrar o tabu da relação sexual entre dois homens e conseguiu mostrar de maneira delicada o amor proibido entre André Raposo (Caio Blat) e o Coronel Tolentino (Ricardo Pereira) em tempos ainda mais difíceis para os homossexuais. Durante a exibição do capítulo em que a cena foi ao ar, a hashtag LiberdadeLiberdade entrou para os Trending Topics mundiais no Twitter, ultrapassando até mesmo o maior concorrente das terças-feiras, Masterchef Brasil. Apesar de toda a beleza da relação, André Raposo foi enforcado por sodomia no penúltimo capítulo.
Em sua última semana, “Liberdade, Liberdade” alcançou pontos de audiência não vistos desde a exibição de Gabriela, em 2012. Na segunda-feira (1º), o capítulo em que Rubião descobriu que Rosa era a filha de Tiradentes marcou 28 pontos na Grande São Paulo, enquanto a sua antecessora “Verdades Secretas” teve seu auge em 27 pontos e Gabriela 30 pontos.
Merecem destaque as interpretações de Nathalia Dill e Mateus Solano, os respectivos pares dos mocinhos. A personagem Branca Farto era muito perversa, ao mesmo tempo em que agia de maneira cômica e tinha um sotaque mineiro divertido, muito bem incorporado pela atriz. Já Rubião era diabólico, não só bastou matar os pais verdadeiros e o adotivo de Joaquina, dissimular sua culpa e conseguir se casar com ela, além de matar seu irmão na forca. O vilão chegou a mandar matar a própria mãe, a personagem de Lília Cabral, Virgínia. Zezé Polessa, que interpretou a “bruxa” Ascensão, foi de tudo um pouco. Sua personagem lia mãos, fazia partos e abortos, fez uma transfusão de sangue, entendia das mais variadas ervas, fez cirurgias, teve visões, se salvou de um enforcamento, entre outras peripécias.
A novela teve seus acertos e seus erros. Embora toda a qualidade técnica e boas atuações exibidas, a busca por velocidade na narrativa esbarrou no tempo curto dos capítulos e algumas vezes os cortes deixavam o público confuso. Personagens foram e voltaram de Vila Rica para o Rio de Janeiro em apenas um capítulo, enquanto outros que fizeram o mesmo trajeto demoraram muito mais, por exemplo. Entretanto, na maior parte das vezes, a agilidade em que os fatos eram apresentados instigava quem estava diante da tevê e tornava a história mais emocionante. Outro ponto fraco, mas não por conta da produção e sim por causa da emissora, foi a confusão dos horários em que os capítulos iam ao ar.
A novela das 23h já não é exibida nas quartas-feiras e nem aos sábados, o que a faz se aproximar dos formatos de minissérie que a Globo exibiu. Mas ir ao ar nas segundas logo depois da novela das 21h, e nas terças quase uma hora depois, enquanto nas quartas não era exibida e nas quintas e nas sextas também tinham diferentes momentos para ir ao ar , confundiam o telespectador que gosta de acompanhar o capítulo no momento em que ele é inédito. Isso também prejudica a interação nas redes sociais, principalmente no Twitter, que tem uma boa quantidade de perfis que assistem televisão ao mesmo tempo em que estão on-line. Essa prática poderia ser mais estimulada pela emissora, aperfeiçoando suas estratégias de Tv Social, como muitos canais americanos já fazem.
Por fim, pode-se dizer que apesar das falhas, “Liberdade, Liberdade” inovou ao resgatar um período histórico brasileiro de maneira crítica, aproveitando os aspectos ficcionais para incorporar um discurso libertário. A escolha de seu nome não foi por acaso, visto que muitos dos personagens se envolveram em conflitos apenas por não terem liberdade de ser quem eram. Entrou para a história ao mostrar uma relação íntima entre dois homens mesmo com setores conservadores da sociedade estarem cada vez mais inflamados. Irá sair do ar como mais um biscoito fino exibido pela Globo no horário.
Henrique é estudante de Rádio, TV e Internet e desenvolve pesquisa sobre Tv Social
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