Tudo sobre... A malvada



Preciso declarar meu amor por esta coluna e minha felicidade por estar contribuindo com ela (ou tentando) mensalmente. Minha paixão por filmes clássicos já deve ser notável e desta vez trago um título bem especial para ser comentado. 

A obra-prima "A malvada" de 1950 pode ser considerada uma das produções mais inteligentes da história do cinema, conseguindo ser atual até para os padrões de hoje. 
Solidificando a imagem da atriz Bette Davis com seu cigarro e olhar penetrante, o filme trouxe interpretações incríveis em um texto impecável. Além deste conjunto, temos ainda a oportunidade de ver Marilyn Monroe no inicio de sua carreira como atriz, já mostrando que havia algo extraordinário naquela loira de papel pífio da trama. A produção recebeu 14 indicações para o Oscar de 1951, o maior número de indicações até aquele momento (igualando apenas com Titanic em 1997).


Como já podia se esperar, a tradução do título no Brasil vem sem nenhuma semelhança com o original. A malvada, ou All about Eve (Tudo sobre Eve), traz a história de Eve Harrington, interpretada por Anne Baxter, que nos é apresentada inicialmente como uma grande fã da atriz Margo Channing (a ilustre Bette Davis), do tipo que espera na porta do teatro pra ter a oportunidade de cumprimentar seu ídolo. Eve, porém, é mais do que aparenta ser, seu jeito doce e prestativo vai além da inocência e bondade que quase todos vêem para esperteza e dissimulação que apenas a arrogante Margo é capaz de notar ao ser diretamente atingida pela moça com turbulências em sua carreira e também em seu matrimônio.

O roteiro de "A malvada" veio com o interesse do diretor Joseph L. Mankiewicz em um texto da revista Cosmopolitan, assinado por Mary Orr em 1946. O conto "The wisdom of Eve" continha apenas oito páginas retratando uma verídica história da atriz ucraniana Elisabeth Bergner (1897-1986), amiga de Orr. Elisabeth, que era uma famosa atriz dos anos 40 quase teve um importante papel em uma peça usurpado pela própria assistente, uma moça que se dizia muito fã da atriz e que foi empregada pela própria anos antes. 


Com diálogos de causar orgasmos em cinéfilos e apreciadores do cinema clássico, o filme retrata de uma ótima maneira a realidade presente nos ambientes do cinema e teatro, a ânsia pela fama, reconhecimento e ambição por uma grande e renomada carreira artística.


Demonstrando ainda mais a veracidade do roteiro, o clima recheado de conflitos nos bastidores do filme não poderia ser mais próximo do existente na trama. Segundo um documentário existente como bônus da versão DVD/Blu-ray do longa, Bette se apaixonou por Gary Merrill durante as filmagens, ator que interpretava o par de Margo. Os dois se casaram pouco tempo depois. Enquanto isso, a relação entre ela e a atriz Celeste Holm, a melhor amiga de Margo, era bem complexa, onde uma não falava com a outra e Davis chegava a se referir à colega como “cadela”.


Bette não parecia ser uma atriz fácil de se trabalhar. O diretor Joseph L. Mankiewic chegou a declarar que tinha medo de trabalhar com ela por sua fama de incluir anotações nos scripts, chegar atrasada, arrumar briga com o elenco e de se desentender com diretores. Fama condizente de certa forma, visto que até Marilyn Monroe sofreu com as críticas de Davis, que a chamava de "Vagabundazinha loira" nos bastidores. A atriz não alterou o roteiro em nenhum momento, porém. Ela o considerava perfeito.


Curiosidades


- O filme marca um grande retorno da atriz Bette Davis no cinema, visto que a maioria de suas últimas produções da época haviam fracassado.
“Foi uma oportunidade única na minha carreira. Eu disse à Mankiewicz que ele me ressucitou”, disse ela em uma entrevista de 1983.

- Anne Baxter se recusou a ser indicada ao Oscar como melhor atriz coadjuvante. O estúdio então acabou colocando ela e Bette em competição direta na categoria “melhor atriz principal”. Isso acabou fazendo com que os votantes da academia se dividissem entre as duas, e nenhuma levasse a estatueta para casa (nem mesmo Gloria Swanson no espetacular "Crepúsculo dos Deuses"). A novata Judy Holliday acabou vencendo por sua atuação em “Nascida Ontem”.

Judy Holiday
- Não foi tão fácil para Marilyn Monroe conseguir a sua ponta na produção, que seria seu papel de maior destaque naquele momento. Dois anos antes ela havia sido demitida pelo estúdio alegando que ela não era fotogênica.


- O título “Best Performance” (Melhor Desempenho) escolhido pelo diretor para o filme foi trocado após o presidente da 20th Century Fox, Darryl Zanuck, ler o roteiro e circular com sua caneta a fala “All about Eve”, dita na narração inicial da trama.

- All About Eve consegue ser bem semelhante a produção Sunset Boulevard (Crepúsculo dos Deuses) em vários aspectos. Os dois filmes lançados no mesmo ano tratam da vida de uma atriz de meia idade em crise, o início dos dois longas possui uma narração da história exibindo um prévio acontecimento do fim da trama que vai ser explicado em seguida com o desenrolar do enredo, além de ter suas atrizes principais com atuações marcantes que, por ironia do destino, não receberam o oscar.

Sunset Boulevard (1950 - Paramount)

Frases marcantes:

Até hoje frases de Margo Channing são cultuadas por fãs e por outras produções. Isso deve à grande contribuição de Bette Davis ao filme, estando perfeita no personagem, com seu ar muitas vezes arrogante e esnobe.

“Detesto sentimentalismo barato”

“Pode colocar a estatueta onde seu coração deveria estar”
“Esses fanáticos por autógrafos não são gente”


 “Apertem os cintos, hoje será uma noite turbulenta”


Tantas pessoas me conhecem. Eu também gostaria de me conhecer.


Palavras finais:

Poucas produções de Hollywood antes dos anos 50 saíram do molde básico de visão predominantemente masculina ao qual as mulheres serviam apenas para papéis secundários, de apoio e apelo sexual. Bette Davis pode ser considerada como quem de fato iniciou uma transformação na indústria, apresentando-se como uma mulher longe da fragilidade, com atos independentes e destemidos desde o princípio de sua carreira como Mildred em "Escravos do desejo" (1934) e solidificando o estilo em "Jezebel" (1938).
"A Malvada" trouxe mais um exemplo de empoderamento feminino para as telonas. Com Davis, Baxter e suas atuações de fazer escola, a produção foi apresentada na época como: “All About Eve”, um filme sobre mulheres e seus homens.

Talvez palavras e imagens não sejam suficientes para demonstrar a grandiosidade do longa, então finalizarei esta publicação com uma sensacional edição das cenas do filme como um trailer atual:

 

Comentários

Postar um comentário