A babel de Timbuktu e o fundamentalismo islâmico

Imovision/Divulgação


Representando à Mauritânia (pela primeira vez) no Oscar 2015, na categoria Melhor Filme Estrangeiro, Timbuktu foi exibido no último festival de Cannes, e além de vencer o Prêmio do Júri Ecumênico, causou comoção no público e no diretor responsável pelo longa, Abderrahmane Sissako.

Sua temática pode ser bastante considerada pela Academia, já que o recente ataque de facções terroristas, ao jornal francês Charlie Hebdo, reacenderam as discussões acerca dos conflitos que os extremistas islâmicos causam no mundo todo. O filme provoca reflexão sobre as turbulentas regiões da África, a diversidade de idiomas, dialetos e costumes, a ocupação de territórios e à liberdade cerceada da população. Sissako se inspirou na atmosfera do caso real de apedrejamento público de um casal, que apenas viviam juntos com seus dois filhos sem serem casados oficialmente, em Mali (2002). Entre outros conflitos, o diretor decidiu fazer uma adaptação e contar a história da cidade de Timbuktu, que se vê dominada com a chegada dos jihadistas.

Alguns ocupantes só falam árabe, outros só francês ou algum idioma local, o que dificulta ainda mais a comunicação entre os recém-chegados e os habitantes. Sempre em qualquer conversa, um tradutor está presente e mesmo assim, por conta das tradições divergentes, não há entendimento. Em uma cena, um jihadista decide se casar com uma habitante local, mas a mãe da moça não autoriza, pois não é costume permitir o casamento da filha com um desconhecido. A menina também não quer, mas o homem entende aquilo como um desrespeito, pois ele pediu pacificamente e as ameaça. A facção impõe regras absurdas, toques de recolher, vestimentas (mulheres devem usar luvas, homens devem ter calças mais curtas), proíbe confraternizações, música ou qualquer manifestação de alegria, até mesmo dentro das moradias.

As interpretações são tão cruas e verdadeiras, que o tom documental se espalha na obra, principalmente pelos longos planos e pelas situações vividas por alguns personagens, onde são apenas observados em alguns momentos. Paralelamente, apenas uma história é acompanhada até o seu desfecho: A da família de Kidane (Ibrahim Ahmed). Nas dunas, o pastor vive com a mulher Satima (Toulou Kiki), a filha Toya e Issan (Mehdi A.G. Mohamed), que o ajuda na criação de vacas para a sobrevivência da família. Após um incidente com GPS, a vaca preferida de Issan, Kidane comete um crime que o faz ser julgado pela lei dos ocupantes jihadistas.

Entre situações, só existe um momento em que os fundamentalistas respeitam as pessoas de Timbuktu: Dentro de uma mesquita. É interessante o que Sissako propõe na cena em que homens do Jihad adentram o local, mas são expulsos, justamente por estarem armados. Há uma certa resistência, mas eles logo se retiram, em nome de Alá.

Há uma outra disposição que o diretor faz para entender a complexidade do movimento. Dentro desse grupo, existe um personagem dividido sobre a conduta do islamismo. Ele fuma às escondidas, cobiça Satima (mesmo sabendo que ela é casada e obviamente, não se é permitido dentro da religião), mas socialmente se mostra um homem fiel aos dogmas islâmicos. Ocasiões essas, louváveis dentro do filme, e talvez, se não fossem por elas, Timbuktu correria sérios riscos de exercer mais um papel de panfleto ocidental, do quê de tratar a dura e complexa realidade da região.

Por incrível que pareça, o filme possui momentos de ironia, como a conversa de um grupo sobre a Copa do Mundo de 1998. Na visão deles, a França só ganhou nesse ano porque mandou “uns três sacos de arroz para o Brasil, que é um país pobre”. Mas a força de Timbuktu se encontra mesmo é na poesia. Entre imagens de violência bruta, o destaque maior permanece nos olhares, silêncios e desertos. Está na dança sem música, na bela voz de uma mulher que desafia à imposição e canta acompanhada pelo violão e principalmente, na mais bela cena de total deslumbre: Uma partida de futebol, sem bola.

Como também é proibido jogar, jovens fazem toda a coreografia e só param quando os fiscais chegam para avaliar se algo está acontecendo ali. Sem o objeto (a bola), eles não desconfiam que um grito de liberdade paira ali, naquele terreno baldio. Essa que vos fala não derramou lágrimas nos momentos chocantes de violência, mas não se conteve com essa sequência. Uma das melhores do Cinema nos últimos anos. A direção de fotografia fabulosa é mérito de Sofian EL FANI.


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